Caso fôssemos caracterizar o tempo que antecedeu a este final de século, poderíamos dizer que os anos 60 foram os anos da rebeldia, das últimas revoluções, do idealismo militante. Os 70 foram os anos da consolidação das transformações sociais propostas e levadas a cabo pela década anterior. Nos anos 80, o que era revolucionário nos anos 60 ficou congelado e a humanidade começou a patinar na sua própria evolução social. Assim chegamos a nossa década, com rompantes conservadores de extremo cinismo e individualista.
Exemplo maior do cinismo de nossa época foi construído em 1992 por um obscuro teórico político que trabalhava no Departamento de Estado do governo americano, durante a era Bush, Francis Fukuyama. Apoiado na sólida dialética hegeliana, numa penada, ele simplesmente decretou o fim da história no seu ‘‘The end of history’’. Em linhas gerais, Fukuyama definiu a história como a luta humana para encontrar o sistema político mais sensato - ou menos nocivo. Assim, no século XX, o modo de produção capitalista só tinha um adversário sério: o socialismo. No raciocínio tábula rasa de Fukuyama, com o colapso do Leste Europeu, no final dos anos 80, a chamada ‘‘democracia’’ liberal, deusa do capitalismo, havia vencido. A luta dos contrários terminara, por pura falta de oponentes. Certos cientistas, em busca da verdade, comportam-se como o cachorro de Diógenes que ficou louco, mas Fukuyama foi além e mordeu o cachorro. O futuro da humanidade para ele estava definido, pacífico e confortável, embora enfadonho.
Fukuyama esqueceu dois detalhes, ou não quis ver estes detalhes, o socialismo sucumbiu sobre si mesmo, pois desde Lênin estava descaracterizado como tal. Com o tempo, os que estavam à frente da União Soviética deixaram de lado o velho lema dos comunistas franceses: de cada um segundo suas possibilidades, a cada um segundo suas necessidades. Daí aquele Estado monstruoso, com uma elite governante e uma burocracia gorda e esponjosa.
Segundo detalhe: os capitalistas não são um bando de frades franciscanos sempre prontos para a caridade. Como um verme que subsiste no organismo para se deliciar com o futuro cadáver, a essência do capitalismo continua a mesma, embora tomando nomes diferentes conforme a época e conveniências: a exploração do homem pelo homem.
Hoje, a exploração tem o nome pomposo de globalização - que já disse aqui ser a última panacéia capitalista inventada para curar todos os nossos males. Mas, com as sucessivas quedas nas bolsas do mundo todo chega-se a duas conclusões: que a globalização não veio para ser a cura e sim a doença e que a história continua como sempre foi, a luta entre os contrários: exploradores e explorados.
Agora, dentro do cinismo que campeia este nosso globo miserável, os grandes capitalistas resolveram ganhar dinheiro como nunca. A idéia básica é escolher um país emergente qualquer, engordar sua economia com um afluxo de capital descomunal e depois, como um bando de gafanhotos, deixar o País arrasado. Para não perder ainda mais, estes países acabam por oferecer o couro do seu povo para a usura internacional. Aumentam impostos, dão apertos financeiros nos assalariados e se jogam de cabeça na recessão, causando para os seus desemprego e fome. E, num último suspiro, aumentam as taxas de juros para satisfazer os agiotas que batem às suas portas. O Brasil entrou nesta ciranda, e resta saber como nosso cínico-mor, Fernando Henrique Cardoso, se reeleito, vai se safar da roda esmagadora da história. (25/09/98)