A tragédia particular que a TV mostra a nossas crianças
Dizem que a coisa começou lá com os gregos e ganhou força sobremodo com os romanos: nosso gosto por tudo quanto possa ser considerado dramático. Por herança, além das línguas românticas (Português, Francês, Italiano, etc), herdamos em nosso sangue latino a paixão, esta capacidade de sofrer, que nada mais é do que tocar a vida adiante sem muita lucidez e afastados da razão. Por isso, amamos a tragédia e a comédia. Por isso, endeusamos nossos atores, artistas e perdemos tempo em frente à TV vendo novelas, programas de humor e filmes. Porém, nosso pão e circo têm lá suas limitações. O pão sempre foi pouco. No circo TV, os autores debatem-se para descobrir uma nova fórmula em suas ficções esgotadíssimas em qualidade e criatividade, que determinam a constante queda de audiência dos novelões, repetidos em forma, esquetes e tipos. Nessa crise de criatividade ficcional, o que nos sobra é apelar para a tragédia ou comédia real e se possível dramas particulares eivados de irracionalidade e estupidez, como se isso nunca tivesse feito parte da condição humana. A criança arremessada pela janela por um casal e agora a moça seqüestrada e morta pelo namorado são seqüências de uma mesma história de horror televisiva. Na comédia real, votamos em candidatos engraçados e estúpidos para assim garantirmos o riso extra. Na tragédia real, colocamos entre os atributos da notícia a capacidade dela tornar-se um drama desenvolvido em capítulos desconexos, porque a realidade não nos parece conexa. A paixão levada do privado para o público, do particular para o coletivo. Mas nada disso é novo, apenas usamos novas formas para espalhar o boato, a notícia nos modernos meios eletrônicos, em escala, velocidade e alcance, antes inimagináveis. Na verdade, estamos dando nova roupa ao velho fuxico de cerca de nossos avós, quando tudo era contado de ouvido para ouvido. Temos dois mil anos de desenvolvimento da técnica que culminou na Sociedade da Informação, rápida, global e eficiente. Dois milênios usando todo nosso gênio para que lembremos em instantes que, sob os efeitos da paixão, não somos diferentes dos nossos semelhantes que habitavam as cavernas: estúpidos e desgraçadamente animais.
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