Ficamos admirados com a capacidade da imprensa em transformar fatos trágicos e de interesse local em grandes dramas nacionais. O processo para que isso aconteça é meio nebuloso, mas sabemos que, no caso da TV, tem um único objetivo, segurar o telespectador em frente ao aparelho de televisão.
Recentemente, tivemos nossos lares invadidos por gente jogada pela janela. Em bom português – copiado aos franceses – este fenômeno chama-se defenestração. Pois bem, o fato em si, explorado pela imprensa, ganhou contornos de drama ao se destacar o método, com poucos questionamentos sobre as verdadeiras causas das mortes. A morte em si já é notícia, o infanticídio é mais ainda e criança jogada pela janela é a dramaticidade com potencial de quebra de recordes de audiência. E assim foi feito, transmissões ao vivo, guerra pelos melhores lugares para os cinegrafistas e fotógrafos, programação normal interrompida para boletins, etc, etc. Notem, que neste ponto o jornalismo já havia acabado. As TVs simplesmente entraram no terreno das hipóteses, das suposições e até mesmo da ficção ao fazer teatro em suas bem produzidas reconstituições.
Outro fato que determinou a dramatização da notícia foi o do seqüestro em Guarulhos (SP), conhecido como caso Eloá. Também tinha uma janela como personagem secundária, mas aí não houve a defenestração. Neste drama, o que contou mesmo foi a tragédia que se anunciava justamente pela janela. O drama anunciado pela janela e de triste desfecho.
Bom, para nossa reflexão, cabe verificar a importância destas notícias em nossas vidas. Ora, no repousar da cabeça no travesseiro veremos isso tudo não nos trouxe nada, ou quase nada mesmo, a não ser a certeza de que o homem não abandonou de todo seus instintos primitivos e o principal deles, matar seus semelhantes, principalmente os objetos de paixão.
Pois bem, aqui cabe mais uma pausa. Paixão, que vem lá do nosso antigo latim, tem o sofrer como seu significado original, por isso dizemos “Paixão de Cristo”, ou seja, o “Sofrimento de Cristo”. Nesses dois casos citados temos claramente crimes cometidos e motivados por este sofrer; passionais como devem ser classificados. Crimes passionais são tão antigos em nossa história que podemos dizer que eles nasceram com o homem. A alegoria de Caim e Abel na Bíblia é um exemplo. Outro vem da Mitologia Greca, com Medéia que mata seus dois filhos por ciúme de Jasão, que a trocou por outra, também morta pela mulher ciumenta.
Ative-me a essas personagens alegóricas e mitológicas porque as julgo exemplos suficientes da loucura movida pela paixão – pelo sofrimento que desatina – e que não é preciso a TV nos fazer lembrar disto durante horários em que nossas crianças estão na sala. E pior, colocando entre as cenas de horror, anúncios de chocolate, carros, jóias e sorteios de brindes.
A realidade já nos é bastante.