Ela não era nenhuma capitulina das páginas de Machado de Assis, mas tinha os olhos de ressaca, “oblíquos e dissimulados”. Trazia nas mãos um ramalhete de flores e duas velas. Vestia-se sobriamente com um casaquinho bege e saia no mesmo tom. No rosto, bonito e bem feito, o retrato de todas as ausências. Apressada, entrou na igreja sem olhar para os lados. Não sei por que cargas d’água resolvi acompanhá-la. Há anos que eu não entrava numa igreja. Ando meio desacreditado nas coisas do céu. Na realidade, de há muito as igrejas se tornaram em minha retina esplêndidos monumentos arquitetônicos. Algo belo de se observar e que quebra a mesmice da cidade. Às vezes, gosto de ver seus portais enormes, mas minhas pernas não se sentem com vontade de caminhar até eles; meus joelhos doem e dobrá-los diante de altares é uma tarefa mais do que penosa.
Mas mesmo assim, gosto de erguer os olhos para os céus e admirar os campanários das igrejas. Raramente ouço os sinos dobrarem; mas é só isso: um som metálico que me chama para algo esquecido, para o tempo da inocência, quando entre uma brincadeira e outra, acreditava na bondade dos homens e em seus deuses justos e infalíveis.
Mas eis o que eu queria dizer: cruzei o portal da Igreja Católica com os olhos fixos naquela mulher misteriosa. Era nova, de cabelos claros e lisos, devia contar 35 anos no máximo, uma balzaquiana perfeita. Ela seguiu pelo corredor central rumo ao altar. Fiz hora na entrada da igreja, não queria demonstrar que a seguia. Tentei o sinal da cruz: “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, e fiquei com uma dúvida danada. Não sabia mais qual lado do peito devia tocar primeiro: o esquerdo ou o direito? Talvez por ser canhoto, tenha esquecido este detalhe das intermináveis aulas de catecismo dadas por uma freira no Colégio Santo Inácio. A freira era boazinha, mas nos apavorava com suas histórias das danações no Inferno e Purgatório. Tínhamos apenas sete anos e rezávamos muito antevendo os pesadelos e a cama molhada de xixi.
Com o canto do olho tentei alcançar a moça. Ela estava ajoelhada perto de um altar que ficava na lateral da igreja. Depositou as flores aos pés de Santa Rita de Cássia, acendeu as velas e abandonou-se em orações. Deveria ser alguma causa impossível, julguei. Santa Rita de Cássia tem fama de resolver qualquer coisa, principalmente partos e doenças. Será que ela estaria doente? Não, não parecia. Talvez, alguém da família? Vai saber... Fiquei ali parado, olhava para a moça e para a água benta. Havia esquecido mais este detalhe: o sinal da cruz é reforçado em seu significado quando feito com água benta. Tentava resolver o dilema: direita ou esquerda, com água ou sem água benta?
A moça do olhar oblíquo se levantou. Procurei me distrair na frente de São José, ele não ligaria se eu fingisse uma oração. Talvez uma que reforçasse a reza da moça, que a ajudasse em seus pedidos. Pensei em algo para iniciar a tarefa. Começar pelo Pai Nosso seria uma boa. Reza pronta, que não exige esforços de composição. Não fiz nem uma coisa nem outra. Havia esquecido o Pai Nosso e meu coração não estava inspirado para inventar uma reza nova.
A moça passou por mim. Seus olhos estavam cheios d’água. Lágrimas bentas, por certo. Por quem chorava? Nunca saberia. Ela despediu-se da igreja e seus santos com o sinal da cruz. Fiquei onde estava matutando: direita ou esquerda; vem a nós o Vosso reino (e depois, que vem depois?).
Mas mesmo assim, gosto de erguer os olhos para os céus e admirar os campanários das igrejas. Raramente ouço os sinos dobrarem; mas é só isso: um som metálico que me chama para algo esquecido, para o tempo da inocência, quando entre uma brincadeira e outra, acreditava na bondade dos homens e em seus deuses justos e infalíveis.
Mas eis o que eu queria dizer: cruzei o portal da Igreja Católica com os olhos fixos naquela mulher misteriosa. Era nova, de cabelos claros e lisos, devia contar 35 anos no máximo, uma balzaquiana perfeita. Ela seguiu pelo corredor central rumo ao altar. Fiz hora na entrada da igreja, não queria demonstrar que a seguia. Tentei o sinal da cruz: “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, e fiquei com uma dúvida danada. Não sabia mais qual lado do peito devia tocar primeiro: o esquerdo ou o direito? Talvez por ser canhoto, tenha esquecido este detalhe das intermináveis aulas de catecismo dadas por uma freira no Colégio Santo Inácio. A freira era boazinha, mas nos apavorava com suas histórias das danações no Inferno e Purgatório. Tínhamos apenas sete anos e rezávamos muito antevendo os pesadelos e a cama molhada de xixi.
Com o canto do olho tentei alcançar a moça. Ela estava ajoelhada perto de um altar que ficava na lateral da igreja. Depositou as flores aos pés de Santa Rita de Cássia, acendeu as velas e abandonou-se em orações. Deveria ser alguma causa impossível, julguei. Santa Rita de Cássia tem fama de resolver qualquer coisa, principalmente partos e doenças. Será que ela estaria doente? Não, não parecia. Talvez, alguém da família? Vai saber... Fiquei ali parado, olhava para a moça e para a água benta. Havia esquecido mais este detalhe: o sinal da cruz é reforçado em seu significado quando feito com água benta. Tentava resolver o dilema: direita ou esquerda, com água ou sem água benta?
A moça do olhar oblíquo se levantou. Procurei me distrair na frente de São José, ele não ligaria se eu fingisse uma oração. Talvez uma que reforçasse a reza da moça, que a ajudasse em seus pedidos. Pensei em algo para iniciar a tarefa. Começar pelo Pai Nosso seria uma boa. Reza pronta, que não exige esforços de composição. Não fiz nem uma coisa nem outra. Havia esquecido o Pai Nosso e meu coração não estava inspirado para inventar uma reza nova.
A moça passou por mim. Seus olhos estavam cheios d’água. Lágrimas bentas, por certo. Por quem chorava? Nunca saberia. Ela despediu-se da igreja e seus santos com o sinal da cruz. Fiquei onde estava matutando: direita ou esquerda; vem a nós o Vosso reino (e depois, que vem depois?).
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