Elias, o abduzido


A vida normal – aquela com horários definidos, com hora para respirar, com hora para cuspir, hora de rir e beijar a patroa – sempre agradou a Elias. Ele era um cara de hábitos e que se dava ao luxo de apenas afagar duas paixões: o Corinthians, time do coração e uma cervejinha, tomada aos golinhos, no sábado à tarde no bar perto de casa.

Mas os céus conspiram contra a normalidade. A mesmice dá um tremendo tédio nos deuses e por isso eles são mal humorados. Num dia qualquer os deuses escolhem suas vítimas, de preferência aquelas que, para serem consideradas mortas, só faltam deitar. Pois bem, nosso Elias se apresentava como o panaca perfeito para o tédio divino.

Foi numa sexta-feira depois do expediente. Estava calor. A turma da repartição resolveu tomar umas e outras. Elias, nada afeito à quebra de rotina, relutou, declinou do convite, mas ao sentir o olhar severo de seu chefe imediato, cedeu. Antes de sair, avisou a mulher por telefone. Deu a notícia e prosseguiu na conversa apenas com monossílabos “sim” entremeados por “querida”.

No bar, à medida que Elias esvaziava o seu copo de cerveja, o mundo ficava mais descontraído, as pessoas, e ele mesmo, mais alegres. Logo, D. Terezinha, secretária muito solicita e que trabalhava há anos ao seu lado, puxou conversa. Disse que havia se separado. Estava só, precisava se abrir com alguém. Papo vai, papo vem; copo vai, copo vem... Elias acordou em um lugar estranho. Não reconhecia o teto, não reconhecia os lustres. E a cabeça? Que dor terrível. Aos poucos foi se lembrando da noite anterior. Susto. Olhou para o lado e viu que D. Terezinha dormia. De súbito, levantou-se, apanhou suas roupas, o sapato e foi para a sala. Vestiu-se rapidamente. Esquecera a dor de cabeça. Pensava apenas em como se explicaria para a esposa. Dormira uma noite fora. Isso nunca havia ocorrido.

Já na rua, apanhou um táxi. No caminho pensou em mil desculpas. A viagem demoraria, estava num bairro afastado de sua casa. Como chegara ali? Enquanto pensava, o motorista puxava conversa: “Tive um amigo caminhoneiro, acho que em 1980. Sabe que ele foi abduzido, seqüestrado por um disco voador?” “Não”, respondeu Elias, sem dar muita bola para o motorista.

Mas o cara era insistente: “Agora este meu amigo é celebridade, veja esta revista aí em cima do banco”, insistiu o taxista. Elias apanhou a revista com as mãos trêmulas, um gesto educado apenas. Revista de Ufologia que explicava a história do caminhoneiro, que também se chamava Elias:

Elias Seixas de Mattos, carioca, era caminhoneiro em 1980, quando teria vivenciado uma experiência inexplicável. Seu relato, junto ao de outros dois amigos, entrou para a história da Ufologia brasileira pela riqueza de detalhes com que descreveu as situações pelas quais passou à pesquisadora Irene Granchi e ao hipnólogo Silvio Lago. No dia 25 de setembro de 1980, Elias e os acompanhantes na boléia do caminhão, seu primo Alberto Seixas Vieira e o amigo Guaraci de Souza, voltavam de Goiás, onde tinham ido deixar uma carga. (...) A partir daí, nenhum deles lembrava-se da seqüência de acontecimentos muito bem, exceto a sonolência com que retornaram à cabine do caminhão e o fato de chegarem à próxima parada...

Nosso Elias chegou em casa e contou a mesma história para justificar sua ausência. Tudo daria certo se sua mulher não tivesse lido a mesma revista e não o esperasse com um cabo de vassoura. Elias ficou algum tempo no hospital. Com as piadinhas dos amigos, passou a acreditar na própria história de homem abduzido. Perdeu a mulher. D. Terezinha nem lhe deu bola mais. Porém estava contente e seus dias tornaram-se uma longa espera por mais uma abdução.

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