Os neo-miseráveis

Creio que boa parte dos miseráveis que habita nosso país é obra única e exclusiva de nossos governos. São miseráveis infelizes gerados pelas nossas ineficazes políticas de distribuição de renda, que sempre privilegiaram minúscula casta social, ou ainda, pela absurda e proposital ignorância imposta ao povo pelo governo – que sempre foi, em qualquer época, mero joguete nas mãos desta casta de privilegiados, os verdadeiros donos do Brasil.

Pois bem, estamos no meio de uma crise econômica mundial e sentimos novamente as forças do atraso tramarem contra a possibilidade de acabarmos definitivamente com a pobreza e conseqüente miséria em que se larga no lombo dos brasileiros. Com a crise, o governo Lula adotou algumas medidas que continuam dando privilégios aos banqueiros e acionistas das fábricas de automóveis. Entretanto, aos trabalhadores que perderam seus empregos, ou estão ameaçados de desemprego, nada foi ofertado. Afinal, o que sempre conta é o lucro crescente, mesmo que obtido com a substituição de mão-de-obra pela máquina que tudo faz e pouco custa.

Nos bancos, este processo de substituição é extremamente visível. Já nas montadoras, fábricas de automóveis, por estarem mais distantes do consumidor, quase não notamos que o mesmo processo está em curso há pelo menos 100 anos. Primeiro no fordismo, com o desenvolvimento da linha de produção e barateamento dos automóveis, depois no toyotismo ao se automatizar o processo produtivo, na mais desumana forma encontrada de exploração de nossos semelhantes, calcada na psicologia que “convence” os operários de que eles também são peças importantes da empresa e por isso devem se dedicar de corpo e alma para o sucesso do empreendimento.

Na realidade, uma lavagem cerebral que desmonta qualquer possibilidade do trabalhador questionar o que está sendo a ele imposto. Ou seja, a base deste discurso sacana se firma no trabalho como um privilégio de poucos e não como um direito de todos. Formamos assim duas classes sociais, a dos miseráveis empregados e a dos miseráveis desempregados. A primeira é tratada pelo capital como uma peça que pode ser substituída a qualquer momento e a segunda, como uma espécie de reserva de votos dos partidos políticos. Partidos que investem na equivocada estratégia da miséria, determinante de uma não menos miserável dependência deste povo para com os programas sociais do governo, como é o caso do Bolsa Família.

Com crise ou sem crise, fato é que os bancos brasileiros continuam enchendo as burras e demitem todos os dias. Já as montadoras preferem continuar com as burras cheias economizando no gasto com pessoal. O estranho disso tudo é que, mesmo com a garantia de recursos oferecida pelo governo Lula, parte das montadoras de automóveis deu férias coletivas a seus empregados. Ontem, em Curitiba, a Volvo anunciou demissão de 430 operários. E isto parece ser só o início do funcionamento de nossas novas fábricas de miseráveis. Até quando vamos continuar a aplaudir as iniciativas do governo Lula que até agora só beneficiou a quem sempre ganhou? E o povo, aquele que acreditou na esperança vencendo o medo, como é que fica? A resposta parece que não é difícil, pois a miséria para o governo parece ser o nosso estado natural, seja ela física, moral ou até mesmo intelectual.

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